John Travolta interpreta Jack Terry, um sonoplasta de filmes de terror B que, por obra do destino, grava acidentalmente o som de um acidente de carro, que descobre ser do famoso governador George McRyan, líder nas pesquisas para ser o próximo presidente americano. É o ponto de partida de uma sucessão de acontecimentos que irão guiar Terry a desvendar esse quebra-cabeças de tom conspiratório, num crescente suspense. Travolta está ótimo no papel do protagonista paranóico e reservado, possivelmente seu melhor trabalho interpretativo até os dias de hoje ( unicamente equiparado à sua participação em Pulp Fiction de Tarantino ).

Um
Tiro na Noite ( Blowout, 1981), é um daqueles filmes que ganham popularidade com o passar dos anos, até ganharem status de cult. Porém, em sua estréia, foi um enorme fracasso de bilheteria, uma verdadeira tragédia na carreira pessoal do diretor Brian De Palma e do astro John Travolta. No entanto, o filme é considerado uma das obras-primas de De Palma pela esmagadora maioria dos criticos até hoje, sendo lembrado como uma das mais belas homenagens feitas ao mestre do suspense Hitchcock.

Na minha concepção, é mu
ito mais do que uma bela homenagem, fugindo do estereótipo clássico do suspense para se tornar um filme complexo, não em sua narrativa, mas na sua abordagem. Não se trata unicamente de um ótimo thriller, como muitos o consideram. O filme é historicamente único, essencial para quem deseja compreender um pouco do sentimento americano/anti-americano na era Reagan. Nao foi mero acaso o filme ter afundado nas bilheterias americanas em sua estréia, em 81. Precisamos entender o contexto da época: 1981 foi o primeiro ano de mandato de Ronald Reagan, presidente republicano dos Estados Unidos que assumiu num contexto de total otimismo e patriotismo renovado. Reagan, muito provávelmente, tenha sido o presidente americano que melhor soube explorar sua imagem, muitas vezes pregando uma coisa e fazendo o oposto logo a seguir, sem grandes repercussões, diferentemente de Nixon. Outro fator importante era a grande demanda pública por mais seguranca nacional, devido a uma nacão inteira ainda de ressaca pela quase interminável guerra do Vietnã.

É nesse ambiente hostil e repleto de incertezas que De Palma nos joga, brincando com seu roteiro ( no bom sentido), misturando os gêneros, provocando o senso crítico do espectador a todo momento. Ele questiona o patriotismo cego do americano comum, utilizando diversos simbolismos em momentos cruciais da trama, como no final surpreendente, cuja personagem da atriz Nancy Allen encontra-se encurralada pelo psicopata misterioso interpretado pelo ótimo John Lithgow e, como pano de fundo, a bandeira americana. Onde estaria a tão sonhada segurança
? Tudo não passaria de mera ilusão ou de falsas promessas? De Palma nos brinda com questionamentos políticos profundos, sempre com sua marca registrada: sem sutilezas, mas sem perder sua sofisticação característica. O desfecho do filme, já considerada clássica, é uma cena verdadeiramente antológica, de múltiplas interpretações. Ao meu ver, de gelar o sangue.

Certa vez, Brian De Palma fez uma célebre declaração: "A câmera mente 24 vezes por segundo".
Quanto, devemos nos perguntar, nossos políticos o fazem?

Nota: 9,0
Daniel Hetzel


A estação Cabo Branco abre as portas gratuitamente para uma temporada de Cult movies e filmes antigos, trabalhos de diretores Europeus e grandes clássicos do cinema.
A abertura fica por conta do filme Les parapluies de Cherbourg (França/Alemanha, 1964) de direção Jacques Demy.
A história é dividida em três atos, decorridos entre os anos de 1957 e 63. O primeiro ato apresenta dois jovens amantes, Genevieve (Catherine Deneuve) e Guy (Nino Castelnuovo), enlevados por uma paixão adolescente. Genevieve trabalha na loja de guarda-chuvas de sua mãe, Madame Emery, que desaprova o namoro com Guy, um simples mecânico. Um mundo mágico se arma para os amantes, quando eles estão juntos. Antes de se casar, Guy quer cumprir os dois anos de serviço militar. Eles fazem planos para o futuro, ela fica grávida do namorado quando ele vai lutar na Argélia. Quando ele volta, Geneviève está casada com outro.

Um filme singelo e bem dirigido.

Na estação França, à partir do dia 20 de maio, às 19h, em João Pessoa.

Alicia Truffaut



Sábado, 29 de maio, em Mossoró e quarta-feira, 02 de junho, em Natal, tem apresentação do espetáculo “Inveja dos Anjos”, da Armazém Companhia de Teatro.

Com direção de Paulo de Moraes e dramaturgia do poeta Maurício Arruda Mendonça em conjunto com Paulo, “Inveja dos Anjos” venceu o Prêmio Shell de Teatro 2008, nas categorias de Melhor Autor e Melhor Atriz (Patrícia Selonk), além do Prêmio APTR 2008, nas categorias de Melhor Espetáculo e Melhor Iluminação (Maneco Quinderé). Ambientado numa ferrovia com trilhos que começam e terminam no infinito, "Inveja dos Anjos "traça uma narrativa que atravessa a história de Tomás (Ricardo Martins), Cecília (Patrícia Selonk) e (Luísa) (Simone Mazzer). E a partir do encontro dos três amigos – que discutem suas memórias -, o passado vai se materializando em cena e personagens como Eleazar (Marcelo Guerra), Branca (Simone Vianna), Rocco/homem sem braço (Thales Coutinho) e Natália (Verônica Rocha) surgem, na forma de afetos perdidos ou a serem descobertos.

Inveja dos Anjos foi o espetáculo mais premiado da temporada carioca 2008 e tem o patrocínio da Petrobras para a realização da turnê pelo Nordeste. Após Mossoró e Natal, o espetáculo visita Salvador, João Pessoa, Recife e Fortaleza.

- 29/05 no Teatro Dix Huit Rosado, Mossoró, 20h;
Informações: Mossoró 84-3315 5047.
- 02/06 no Teatro Alberto Maranhão, Natal, 20h;
Informações: Natal 84-3222 3669.
- Entradas R$ 30 inteira e R$ 15 (estudantes, maiores de 60 anos, clientes com o Cartão Petrobras na compra de até 2 ingressos);
-Duração: 1h45, drama, classificação etária: 12 anos;
www.armazemciadeteatro.com.br

Luciano Dantas






"A Hora do Pesadelo" (Nightmare on Elm Street) é o novo remake baseado em um grande clássico do terror. E um novo remake desnecessário... Freddy Krueger iniciou sua trilha de sucesso com o primeiro filme da franquia, A Hora do Pesadelo, lançado em 1984, e escrito e dirigido por Wes Craven, um dos grandes nomes do terror hollywoodiano. O filme quebrava a falta de originalidade que dominava o setor, criando uma estória verdadeiramente interessante e aterrorizante: A idéia de sermos atacados por um maníaco imortal no local em que somos mais vulneráveis... nossos sonhos! Muita gente perdeu literalmente o sono nos anos 80 com medo das afiadas garras de Freddy e suas "brincadeiras" sádicas. Entretanto, por mais que seja um dos maiores ícones pop do terror mundial, Freddy cativou um maior número de fãs ao redor do mundo por uma de suas características mais marcantes: o humor negro.
É nesse quesito que existem as maiores divergências sobre a qualidade de seus filmes. Alguns fãs xiitas alegam que apenas o primeiro longa seria de qualidade inquestionável, pois Freddy assume um papel cada vez mais cômico ao longo das continuações. Porém, muitos outros (e eu me incluo neste grupo) consideram este lado irreverente de Freddy o grande diferencial de toda a franquia. É inegável a enorme contribuição do carismático ator Robert Englund, que carregou sozinho alguns dos filmes mais fracos da série. Wes Craven também foi decisivo em todos os melhores momentos de Freddy na telona, pois participou ativamente da produção/direção dos três melhores filmes ( A Hora do Pesadelo 1; A Hora do Pesadelo 3 - Os Guerreiros dos Sonhos; Novo Pesadelo - O Retorno de Freddy).

O novo longa de Freddy, além de ser o primeiro e único filme cujo ator Robert Englund não interpreta Krueger, sendo substituído pelo ator
Jackie Earle Haley (Pecados Íntimos), tenta nos transportar ao clima de terror absoluto do primeiro longa. Sem joguinhos, sem rodeios. Para aqueles que apreciavam o humor negro tão característico de Freddy, ficarão decepcionados com o resultado. O filme mostra sequências clássicas do original, como a cena da banheira, mas sem o mesmo efeito. É a grande diferença entre filmes que dão sustos e filmes que assustam. A importância da cidade Springwood e, principalmente, da rua Elm, são relegadas a terceiro plano, sem interferência alguma na trama.

O grande diferencial de "A Hora do pesadelo" tinha sido sua originalidade. Este remake tornou Freddy um vilão comum, sem carisma, sem estrela. Apenas um mostro imaginário, como tantos outros... Uma pena!

Nota: 5,0
Daniel Hetzel



A Hora do Pesadelo (1984): Onde tudo começou. Até hoje é considerado o melhor filme da saga pelos críticos. Neste primeiro capítulo, presenciamos um Freddy Krueger muito menos brincalhão, bem mais aterrorizante. Mortes antológicas, personagens carismáticos, bom elenco (incluindo a estréia cinematográfica de Johnny Depp) e uma direção firme e criativa de Wes Craven. Marcou época no imaginário dos jovens dos anos 80. Foi eleito um dos melhores filmes de terror da história do Cinema.



A Hora do Pesadelo 2 - A Vingança de Freddy (1985): Foi o primeiro filme da série sem a participação do criador Craven (que era contra sequências). Isso se reflete na falta de criatividade do roteiro e da direção. O ator protagonista é muito inferior à atriz do primeiro longa, Heather Langenkamp, e não consegue, em momento algum, convencer o espectador. Verdadeiro fracasso de público e crítica. Na minha opinião, o pior filme da série.




A Hora do Pesadelo 3 - Guerreiros de Sonhos (1987): Depois do fiasco do segundo filme, Wes Craven volta ao universo que criou como roteirista e produtor, deixando a direção a cargo de Frank Darabont (Um Sonho de Liberdade, À Espera de um Milagre). Contando com um bom elenco, incluindo Patricia Arquette, Laurence Fishburne e Heather Langenkamp (Nancy, a protagonista sobrevivente do primeiro longa), ótimos efeitos especiais, roteiro mais coeso com a estória original, temos um ótimo filme. Um dos melhores momentos de Freddy.


A Hora do Pesadelo 4 - Mestre dos Sonhos (1988): A partir deste filme, o roteiro parece não importar mais, tudo servindo como justificativa para que a estrela de Freddy apareça nas telas do cinema. O terror virou secundário, sendo muito mais cômico do que qualquer outra coisa. O elenco ficou fraco, mas ainda conta com a beleza e carisma de sua atriz principal, cujo personagem "herda" seus poderes da heróina do filme anterior e passa a ser perseguida por Freddy. Os efeitos especiais ainda continuam ótimos pelo menos. E o humor negro de Freddy permanece mais afiado que nunca. Vale a pena se você não levar o filme a sério.

A Hora do Pesadelo 5 (1989): Freddy tenta voltar à vida por meio do feto da protagonista do quarto filme. Não precisa comentar mais nada sobre a proposta do filme... Sem pé nem cabeça! O longa só serve para revelar a horrenda origem de Krueger, fruto do estupro da enfermeira Amanda Krueger por dezenas de internos em um manicômio. Um dos piores filmes da saga, na minha opinião. Só não supera o trash do segundo...




O Pesadelo Final: A Morte de Freddy (1991): Este é, de fato, o último filme da saga. Cria-se um clima de despedida, onde alguns atores convidados participam com micro-aparições divertidas (Johnny Depp, Alice Cooper, Roseanne...). Pena que escreveram um péssimo roteiro para a conclusão da série. Descobrimos que Freddy tinha uma filha, e que ele perdeu a guarda da criança durante seu julgamento pelos crimes na rua Elm. Eis que ele volta para atormentar os sonhos de sua própria filha!! Sem dúvidas, um dos piores da saga. Desta vez, não se salva quase nada.


O Novo Pesadelo (1994): Devido ao péssimo final do filme anterior, que serviria para fechar a saga de Freddy Krueger, Wes Craven decide, novamente, intervir para tentar salvar a dignidade de sua criação. Desta vez, nos deparamos com um roteiro inteligente, diferente de tudo que se viu na série. Ele mostra o que aconteceria se Freddy deixasse a ficção para perseguir Heather Langemkamp, a atriz que interpretou a Nancy do filme de 1984, na vida real. Ótimas tiradas de humor negro, direção firme. Feito em comemoração aos 10 anos da série. Vale a pena, desde que esteja preparado para ver uma perspectiva diferente dos personagens e da estória. Na minha opinião, um dos mais originais.



"Vidas Secas", filme do consagrado diretor brasileiro Nélson Pereira dos Santos, realizado no ano de 1963, é uma adaptação fiel do clássico livro homônimo de Graciliano Ramos. A obra é, junto com "Deus e o Diabo na Terra do Sol" de Glauber Rocha, um dos maiores símbolos do ínicio do movimento cinematográfico do Cinema Novo e, até os dias de hoje, serve como referência e influência para a maioria dos grandes diretores brasileiros, como Walter Salles Júnior.


O filme narra a vida de uma família de retirantes em busca de sobrevivência pelo impiedoso sertão nordestino. Desde o começo, percebemos a estética diferenciada utilizada pelo diretor, com uma fotografia em preto e branco marcada pelo excesso de luminosidade, criando uma atmosfera quase "infernal" da caatinga. A intenção clara é mostrar uma face quase documental da vida sofrida e desumana dos retirantes nordestinos, sem eufemismos. Não há preocupação em explorar o lado "belo" da miséria, como muitos o fizeram posteriormente, afim de tornar a obra mais acessível às massas. A opção genuína do filme é exatamente essa: ser uma experiência cinematográfica difícil, monótona, massacrante, mimetizando assim a vida dessas pessoas.


A primeira metade do filme se foca mais no ambiente hostil que cerca os personagens. O silêncio impera na maior parte do tempo, sendo quebrado em momentos pontuais, servindo para reforçar ainda mais a notável incomunicabilidade entre os personagens. Uma cena deixa isso bem evidente, quando a família se aconchega ao redor de uma fogueira, nos primeiros minutos do filme, e iniciam um diálogo. Nota-se rapidamente que não existe, de fato, diálogo, mas monólogos paralelos de Fabiano e Sinhá Vitória. O ritmo lento, quase arrastado, do filme também é proposital, mostrando como a noção de tempo é percebida por essa parcela da população brasileira. Parece não existir fim para quem passa fome, sente sede, é castigado pelo sol dia após dia e ainda perde todo seu salário do mês com jogatina e bebida, como acontece com a família que acompanhamos no filme.


A segunda metade, ou melhor, os 30 minutos finais do filme, Nelson P. dos Santos decide se focar mais no aspecto psicológico dos personagens. Após Fabiano ter perdido todo o sustento de sua família no jogo e vai parar na prisão, o chão desmorona por completo e o fio de esperança e sanidade mental preservados, até então, precariamente, parece se esvair rapidamente. Sinhá Vitória é a mais abalada psicológicamente, terminando por dizer, quando está na cozinha, na frente do fogo escaldante: "queria morrer pra acabar com tudo isso". Um dos meninos, o mais apegado à cachorra Baleia, repete interminávelmente para si mesmo: "Inferno, Inferno, Inferno...", questionando se o local onde vivem não seria o próprio inferno. Já Fabiano, decide por culpabilizar a própria natureza pela sua sina trágica: Culpa o sol escaldante por secar a água, que mata o gado de sede; culpa as aves, que bebem a pouca água existente das poças; Inclusive Baleia, fiel cachorra e companheira, que antes era aplaudida alegremente por caçar preás para alimentar a família, é considerada um estorvo no fim do filme, pois está fraca e doente após o castigo do sol, sendo assim executada.


É importante frisar algumas cenas especiais do filme. A primeira, que mostra os personagens contemplando o vôo das aves no sertão. Esta cena mostra que, apesar de sua estética difícil, sem falso glamour, é sempre possível enxergar o belo, mesmo que estejamos no inferno. A cena é antológica: um vôo sincronizado, que mais parece um baile, significando a ordem no mais puro caos. Apesar de fascinado, pouco depois o encanto se quebra: Fabiano parte para a ofensiva, tentando atirar nas mesmas aves que contemplava, pois as culpa, como foi dito anteriormente, pela morte do gado.


A segunda cena, não por acaso a mais conhecida do filme, é também a mais bela:a morte de Baleia. A cachorra é a personagem mais humana da obra de Graciliano Ramos, e sua transposição para as telas não poderia ter sido mais perfeita. A "interpretação" de Baleia foi tão aclamada pelo público mundo afora que, na ocasião do Festival de Cannes, quando o filme foi indicado à Palma de Ouro, a cachorra também acompanhou o elenco à premiação francesa, mobilizando a todos do mundo do cinema. Houve, inclusive, protestos de certos orgãos de proteção aos animais, convencidos que Baleia tinha sido verdadeiramente morta durante as gravações. Nos seus momentos finais, Baleia, já agonizando, tem início o mais sublime dos delírios: sonha com um sertão repleto de preás, para receber o doce afago de seus donos. Impossível não se comover com a cena, uma das mais emocionantes da história do cinema (na minha opinião). No ano de 2002, foi feito um curta-metragem, "Como se Morre no Cinema", que narra a história do papagaio que participou das filmagens, e da cachorra Baleia, mostrando bastidores do filme e depoimentos de cineastas.


Para finalizar, a terceira cena que considero antológica: Após decidirem tomar um novo rumo e buscar uma nova moradia, num local menos inóspito, a família caminha no meio do mato, no meio do nada, como no início do filme, sem um horizonte. Sinhá Vitória, tentando tirar Fabiano do mais profundo estupor, faz os questionamentos mais importantes do filme: “Como num havemo de ser gente um dia? Gente que dorme em cama de couro. Por que havemo de ser sempre desgraçado? Fugindo no mato que nem bicho. Podemo viver como sempre, fugindo que nem bicho”? A seguir, Fabiano, num momento raro de clareza, confirma: não podem mais viver como bichos! Assim, seguem seu rumo, simplesmente seguindo adiante, até o desfecho do filme. Abre-se um plano amplo; não mais temos a vegetação encobrindo (ou seria engolindo?) os personagens, aparentemente conseguindo se libertar de suas amarras e tendo como destino a cidade. Mas, da sensação de libertação repentina, vem a sensação de impotência: a medida que avançam, vão diminuindo de tamanho, até sumir naquela imensidão ensolarada (será uma previsão dos futuros acontecimentos da vida urbana?). Final de múltiplas interpretações mas, inegávelmente, poético.


"Vidas Secas" foi o único filme brasileiro a ser indicado pelo British Film Institute como uma das 360 obras fundamentais em uma cinemateca.

Premiações

- Prêmio do OCIC e prêmio dos Cinemas de Arte em Cannes, 1964.

- Melhor Filme na Resenha de Cinema de Gênova, 1965.


Nota: 9,0
Daniel Hetzel

"A Partida" (Okuribito), filme do diretor japonês Yojiro Takita, de muito renome no Japão mas ainda pouco conhecido mundo afora, é daqueles filmes que marcam nossas vidas. O tema abordado é difícil, muita gente não gosta nem de tocar no assunto: a morte. Porém, o que vemos no filme é uma abordagem muito mais ampla e respeitosa da morte. O enredo fala de um violoncelista, Daigo Kobayashi, que acaba de ver seus sonhos como grande músico virem abaixo, quando é despedido da orquestra onde tocava, em Tokio. Frustrado, decide voltar para suas raízes, no interior onde passou toda sua infância. Ao chegar, inicia-se um recomeço, cheio de memórias e uma grande surpresa: seu novo trabalho como embalsamador de cadáveres, trabalho muitas vezes alvo de preconceito no Japão. O próprio Daigo inicia sua nova empreitada repleto de desconfiança e pensando unicamente na compensação financeira mas, aos poucos, vai vivenciando experiências enriquecedoras e carregadas de grande emoção, ao perceber o respeito e dedicação de seu chefe ao "preparar" os mortos, com gestos firmes e precisos, repletos de delicadeza, na frente de todos os familiares, aliviando um pouco a dor que a separação da morte os traz.


As tradições japonesas não são completamente compreendidas na cultura ocidental mas, mesmo que alguns tenham algum sentimento de estranheza com certos hábitos pouco convencionais, como a presença marcante das casas de banho no filme, os alimentos crus, a própria profissão de embalsamador como é praticada lá no Japão, o uso das "pedras sentimentais", tudo isso é mostrado no filme dentro de um contexto tão universal e belo que praticamente esquecemos o quanto nossas culturas são distantes, e criamos uma empatia enorme com o personagem de Daigo, enxergando sua percepção evoluir à medida que o filme passa, chegando até o final arrebatador.

É uma obra-prima japonesa, que ganhou merecidamente o Oscar de melhor filme estrangeiro do ano passado, deixando pra trás os mais badalados "Valsa com Bashir" de Israel e o francês "Entre os muros da escola". Vale ressaltar também a dedicação do ator Masahiro Motoki e do diretor Takita, que estudaram durante uma década o ritual fúnebre para assim apresentarem uma obra mais convincente. o ator Masahiro Motoki, inclusive, aprendeu a tocar violoncelo de verdade nesse tempo. Não podemos esquecer um dos pontos mais altos do filme: a trilha sonora, composta por Joe Hisaishi, mesmo de "Castelo Animado"e “Viagem de Chihiro”. A trilha é, sem dúvida, inesquecível, e encaixa perfeitamente na narrativa, daquelas que fazem nossas emoções ficarem à flor da pele.

O filme só reforça a força crescente do cinema oriental, e os muitos prêmios internacionais ganhos pelo filme ajudam a ganhar essa visibilidade, para um cinema tão sensível e ainda pouco conhecido por nós. Enquanto esperamos ansiosos por mais obras-primas da terra do sol nascente, bato palmas de pé para este filme magnífico que, desde já, tem um cantinho especial reservado em minhas mais belas memórias.

Nota: 10
Daniel Hetzel



"Je Vous Salue, Marie" (traduzido no Brasil originalmente como "Ave Maria"), filme do reconhecido diretor francês Jean-Luc Godard filmado em 1985, é uma típica obra autoral. O enredo nos mostra uma perspectiva diferente sobre a concepção da Virgem Maria e suas consequências. O nascimento de Jesus fica em segundo plano, focando completamente na visão intimista de Maria e seus embates psicológicos e físicos, sua dicotomia interna entre o corpo e a alma. Reflexões profundas sobre nosso papel na Terra, o papel do Divino, antigos debates sobre "de onde viemos" e "para onde vamos", tudo é abordado no filme de forma magistral, com uma fotografia que nos faz contemplar o verdadeiro divino que nos cerca.

O tema central da concepção de Maria é transportada para os dias atuais, e provoca o espectador com as mesmas questões filosóficas de outrora, demonstrando a força milenar de tais questionamentos. A busca por este equilibrio interno, entre corpo e alma, nunca é bem sucedida. Pelo contrário, mostra-se, durante todo o filme, a necessidade do ser humano em escolher um dos dois mundos: a carne, a sexualidade, suas necessidades físicas primordiais, instintivas; ou a alma, a espiritualidade plena e imaculada, a pureza absoluta, a negação de todos os nossos instintos e sentidos. Godard nos mostra sua visão de Maria, bem diferente do imaginário popular: ao invés da passividade em pessoa, uma mulher de personalidade forte, que domina a situação (pelo menos, na frente das outras pessoas, principalmente em relação a José) e demonstra um humanismo tocante, passando por fases distintas de negação, resignação e aceitação que fazem com que se questione sobre sua concepção imaculada: terá sido benção ou castigo divino?

O filme também é, à sua maneira, uma homenagem ao divino feminino, sua importância na ordem de todas as coisas. Godard nos contempla com um filme polêmico, complexo, que exige sensibilidade de sua platéia. Trata-se de uma obra-prima atemporal, universal, como as questões tratadas durante a película. Infelizmente, a obra foi proibida em muitos países na época de sua estréia, e foi alvo de perseguições politico-religiosas até muito pouco tempo atrás. Por tais razões, permanece um de seus filmes menos conhecidos do grande público, ainda a ser descoberto pelas mentes criativas e ávidas por obras autorais de qualidade inquestionável como esta.
Reconheço não ser um grande conhecedor da obra de Jean Luc Godard, um dos grandes expoentes da Nouvelle Vague francesa, mas este filme aguçou meu apetite para, futuramente, devorar todos os seus filmes, da mesma forma que Godard nos mostra o quanto ama fazer cinema, sem o complexo de Deus de outros cineastas.

Nota:8,5

Daniel Hetzel


Protesto contra a censura ao filme "Je vous salue, Marie", que teve sua estréia proibida no Brasil


Alice no país das maravilhas... Esse nome não necessita de apresentações. Portanto, não vou perder tempo contando o enredo dessa fábula infanto-juvenil que encantou inúmeras gerações desde que foi escrita no ano de 1865 por Lewis Carroll. A obra é, até os dias de hoje, considerada o maior símbolo da literatura surrealista e non-sense, sendo aclamada por muitos como A obra clássica da literatura inglesa. Teve inúmeras adaptações cinematográficas e televisivas. Entretanto, a intenção de Tim Burton era de recriar o mundo fantástico de Lewis Carroll à sua imagem, como vem fazendo cada vez mais frequentemente, em filmes como "A Lenda do Cavaleiro sem cabeça", "Planeta dos Macacos", "A Fantástica Fábrica de Chocolate", "Batman" e "Batman - o Retorno". À exceção dos filmes baseados no Cavaleiro das Trevas, todas as suas adaptações foram mal-sucedidas, ficando bem abaixo de seus originais.

Alice no país das Maravilhas não foi diferente, infelizmente. Não nego que tinha expectativas altíssimas acerca deste filme, pois sou fã declarado da obra de Tim Burton e, mais ainda, de Alice, que considero uma das obras mais brilhantes da literatura mundial. A obra é repleta de nuances interpretativas, perfeita para se desfrutar quando criança e, melhor ainda, quando atingimos a vida adulta, quando começamos a entender várias de suas alusões satíricas e suas referências linguísticas e matemáticas, frequentemente colocadas na obra sob forma de enigmas, tornando um deleite à parte tentar desvendá-las ou até mesmo encontrá-las. Outro ponto importante sobre a obra é o seu tom, sombrio em demasia para uma obra infanto-juvenil, aumentando assim o fascínio do público adulto.

Tim Burton se consagrou com filmes que nitidamente imprimiam esse tom mais sombrio, como nos já clássicos "O Estranho Mundo de Jack", "Edward maõs de tesoura", "Beetlejuice - os fantasmas se divertem" e os já citados "Batman" e "Batman - O Retorno". Ele também se notabilizou em criar mundos fantásticos repletos de elementos e personagens inesquecíveis.

Depois de tudo que foi exposto, impossível não fazer a pergunta: Não parece o casamento perfeito, Alice no país das maravilhas e Tim Burton? Pessoalmente, acreditava que sim...
Infelizmente, a recente soberba de Burton de recriar tudo que já é consagrado, na tentativa de torná-la melhor, está, aos poucos, tornando-o motivo de piada. Burton é, indubitávelmente, uma das mentes mais criativas que surgiram em Hollywood nos últimos 20 anos. Criou uma das parcerias mais frutíferas do cinema com Johnny Depp e sua mulher Helena Bonham Carter. Porém, nem mesmo a combinação de todos esses fatores, que pareciam conspirar a favor de uma das mais belas adaptações de todos os tempos, foi insuficiente para fazer uma obra no mínimo eficiente.

O filme é um caleidoscópio, repleto de cores vivas e uma explosão de efeitos visuais, mas não consegue, surpreendentemente, prender a atenção do espectador em nenhum momento. A narrativa é monótona, os personagens perderam o carisma da história original, sendo reféns dos efeitos em 3D, que estão longe de impressionar como o fez Avatar. Inclusive os atores encontram-se superficiais e caricatos, principalmente Johnny Depp como o chapeleiro maluco e Anne Hathaway como a insossa rainha branca. Porém, justiça seja feita, Helena Bonham Carter é a única e grata exceção, fazendo com maestria habitual uma histéri
ca e hilariante rainha de copas. Muito se fala em Johnny Depp mas, na minha humilde opinião, considero Helena Bonham Carter uma atriz muito mais talentosa e marcante, jamais caindo na pieguice ou no exagero, como Depp ocasionalmente faz.

Enfim, Alice decepciona do começo ao fim, frustrando um mundo inteiro de amantes da sétima arte, da literatura fantástica e, principalmente, aos tolos esperançosos que aguardavam ansiosos por aquele mundo repleto de magia do passado. Pelo jeito, a magia abandonou Tim Burton de vez, transformando um dos mais belos clássicos infantis num dos maiores naufrágios da história do cinema.

Nota: 5,0
Daniel Hetzel